Num dia de outono, triste e frio, saiu um homem
a semear.
Levando no braço esquerdo o saco de grãos, caminhava lentamente. A cada passo lançava um dos grãos — belo trigo, sadio e redondo — e os grãos caíam, rolavam e se escondiam na terra negra
e arejada.
Aconteceu que um grão de trigo se achou de repente sozinho, entre dois torrões de terra preta e úmida. E o grãozinho ficou muito, muito triste.
Tudo estava escuro e úmido, e a escuridão e a umidade aumentavam cada vez mais, pois o nevoeiro se transformara numa chuvinha enfadonha, ao aproximar-se a noite. Dava à gente vontade de se entregar ao desespero.
E foi o que fez o grãozinho de trigo. Começou a esquadrinhar a memória, procurando lembrar-se dos bons tempos que haviam ficado para trás.
Pensou nos dias em que ele se elevava numa esbelta espiga, acariciado pelo sol, embalado ao vento, sentindo-se tão bem como uma criança nos braços da mãe. Todo o enorme trigal verde-acinzentado estava cheio de altivas espigas, e lá em cima, no céu azul, resplandecia o sol, e as cotovias cantavam desde o romper do dia até o anoitecer.
E quando o sol se punha, não ficava tudo frio e úmido como agora, mas um suave orvalho descia, como uma onda refrescante, sobre o grão aquecido pelo sol. E uma grande lua, toda de ouro, brilhava docemente sobre as plantações que amadureciam. Era o bom tempo!
Mas chegara o dia terrível em que a foice sibilou pelos campos, e com um som roufenho abriu caminho através das espigas.
Depois dela vieram os segadores com seus ancinhos, e as espigas foram amarradas em feixes e amontoadas nas carroças. O trigal se assemelhava agora a um campo de batalha, do qual continuamente as ambulâncias retiravam os mortos e feridos.
E chegara ainda o dia mais terrível em que, para a debulha, o mangual dançou sobre o grão dourado, estendido na eira, batendo-o sem piedade, com o furor de um soldado que luta às cegas.
Dispersaram-se as espigas
— estas pequenas famílias de grãos reunidos desde a mais tenra infância — e os grãos isolados voaram cada um para o seu lado.
No saco de grãos, em todo caso, ainda se encontravam em sociedade. Mas agora era o abandono completo, a triste solidão, a destruição certa.
No dia seguinte a grade passou sobre o campo, e nosso grão de trigo se viu em trevas ainda mais espessas, com terra por cima dele, terra por baixo, terra por todos os lados. E a umidade continuou. O grãozinho se sentiu bem doente.
Compreendeu que qualquer coisa se quebrava e fermentava dentro dele. Por toda parte a água o encharcava, e não havia um só cantinho seco em suas entranhas. Parecia estar à morte.
Enviou então um último pensamento, uma última saudade cheia de melancolia, ao tempo ensolarado de sua vida, e murmurou esta queixa:
— Oh! Por que fui eu criado, se devia terminar de maneira tão horrível? Teria sido muito melhor para mim se jamais tivesse conhecido a luz do sol.
Então, a este pobre ser abandonado fez-se ouvir uma voz, uma voz que parecia vir do interior
da terra:
— Não tenhas medo, não perecerás. Abandona-te com confiança e de bom grado, e eu te prometo uma vida melhor. Morre, pois é esta a minha vontade, e tu viverás.
— Quem sois vós que me falais? — perguntou o grão de trigo, enquanto o invadia um grande sentimento de respeito, pois a voz parecia falar a toda a terra, e mesmo ao universo inteiro.
— Eu sou aquele que te criou, e que agora te quer criar de novo.
Então o pobre grão de trigo, que morria, abandonou-se à vontade de seu Criador, e não mais se preocupou consigo.
Numa manhã de primavera,
Um rebentozinho verde enfiou a cabeça para fora da terra úmida. O sol brilhava. Da terra aquecida se desprendia um calor gostoso. E lá em cima, no ar azulado, cantava um bando incalculável
de cotovias.
O grão de trigo — pois quem mais poderia ser aquele rebento verde? — olhou ao derredor, com grande alvoroço. Tinha de fato voltado à vida.
Tornava a ver o sol e a ouvir cantar as cotovias. E não estava só, pois em todo o campo via outros brotinhos verdes, um exército inteiro, e neles reconheceu seus irmãos e suas irmãs.
Então a jovem planta se sentiu tão cheia de alegria de viver, que lhe pareceu um dever de gratidão elevar-se até o céu e acariciá-lo com suas folhas.
E era como se a mesma alegria reconhecida tivesse dado asas às cotovias que se elevavam nos ares. Seu canto se tornava mais claro e mais puro, à medida que subiam.
E uma voz, que desta vez não vinha de dentro da terra, mas do alto, disse: — Se o grão de trigo não morrer depois de lançado à terra, nada produzirá. Mas se morrer, produzirá muito fruto.
* * *
(G. Delcuve SJ e A. de Marneffe SJ, “Testemunhas de Cristo” – Companhia Editora Nacional,
SP, 1951)
Uma resposta
Belo conto, muito enriquecedor, obrigado!